V de Vingança - Senão leu, leia !!!


             Afirmar que Alan Moore é um dos maiores escritores da indústria dos quadrinhos em todos os tempos, bem como um dos grandes nomes da arte de contar histórias em todos os níveis, é chover no dilúvio...  E nem é o intuito discorrer sobre a vida do autor nesse espaço e sim sobre um de seus clássicos: V de Vingança!

            Moore, concebeu a obra nos anos 80 (entre 81-88), com a intenção de usá-la como uma crítica a então Primeira-Ministra Margaret Tatcher, conhecida como 'Dama de Ferro'. Mas a obra acabou se mostrando muito superior a essa ideia, misturando questões políticas com ideologias através de um roteiro inovador. Bebendo da fonte do livro 1984 de George Orwell, Moore criou a ideia de uma Inglaterra totalitarista, oprimida com controles culturais, artísticos, musicais, literários e etc. Da mesma maneira como no livro de Orwell, escrito em 1948, a qual câmeras de vigilância eram usadas para vigiar a população. V de Vingança evoluiu a seu tempo esse conceito, utilizando um supercomputador chamado Destino, que para a população realmente possui 'vida' e controla o destino de todos. A opressão também é extrema, em campos de concentração nos moldes da 2ª guerra, opositores são submetidos as mais perversas torturas, experimentos e morte. Promovendo assim uma 'limpeza' étnica utilizando a força de forma hedionda. Os homossexuais também sofrem o mesmo tipo de tortura, já que não se enquadram (segundo o enredo) nos moldes em que o governo considera ideal.
            Na busca por ser uma voz a rechaçar esse regime ditatorial, e mudar os padrões impostos sem leis tão arbitrárias, surge 'Codinome V'.  O personagem representa os ideias anarquistas, para retirar o Estado opressor do poder e descentralizar o comando a todos. Essa é mais uma grande sacada do roteiro de Moore, que instiga a todos em se perguntar: Estamos preparados para mudar o mundo no vácuo de alguém que está agindo à margem do que se considera moral ? Voltando ao personagem, V utiliza uma máscara que remete a Guy Fawkes. Fawkes participou da Conspiração da Pólvora, um levante que queria explodir o parlamento inglês e o Rei James. Porém, ele foi traído e enforcado. Levando os ingleses a comemorarem até hoje o 5 de novembro, passeando nas ruas e queimando a figura de Fawkes.



'Lembrai, lembrai o cinco de novembro'...
            Sem dúvida o símbolo da HQ é o rosto de Fawkes utilizado em forma de máscara por V. Comumente a vemos nas passeatas e protestos por várias regiões do mundo, como no movimento Occupy e  no protestos que aconteceram no Brasil, ela representa a força ideológica da obra. Moore credita toda a arte visual de V, ao seu parceiro na obra, David Lloyd. V foi vítima de um estado opressor que o condenou a um campo de concentração de onde jamais deveria escapar com vida. Ele quer mostrar a todos que,  no contexto da história são caçados ( homossexuais, negros, rebeldes, opositores) que assim como ele sofreram, entendam sua ideologia representada pela figura que ele veste. Ele é um grito de mudança para todos, porque não é ninguém, é um ideal. Seu objetivo , através de uma espécie de ética de vingança,  é o de fazer justiça com as próprias mãos.
Movimento Occupy - a máscara concebida por Lloyd é um marco da obra.
    Para 'encorpar' a figura de V, Moore usa citações de Shakespeare, nos remetendo a Hamlet. Também cita o personagem do Conde de Monte Cristo, Edmond Dantés, que em sua história foi preso injustamente e retornou para sua tão desejada vingança.  Evey é outra personagem importante na trama, ela é salva por V no início da história, e acaba criando uma espécie de admiração por ele.

    Destaca-se a genialidade de Moore na maneira metafórica a qual retrata o Estado totalitarista na obra, ele o divide em:   dedo (polícia),  nariz (detetives e censura), olho (câmeras de vigilância),  boca (propaganda - rádio), destino (máquina central que controla as informações), formando assim a Cabeça. Outro toque de Moore é com relação a letra V, isso se estende por toda a obra inclusive nos discursos do personagem. O próprio nome Evey, nos leva a uma pronuncia que lembra 'V' e faz referencia ao algarismo 5 (V).Os capítulos da HQ também seguem a 'obsessão' da letra ( Vítimas, vilão, voz, versões, Vaudeville, visão). Outras referências são de musicas, várias são citadas ao longo da obra, mas no livro 2 Moore coloca a partitura de uma música que V está tocando ao piano em meio aos quadros.


The Vicious Cabaret - Música composta por Moore para a obra.
 Um detalhe que passa despercebido sobre esta canção é que ela realmente existe, e foi composta por Moore e David J, um amigo de sua cidade. Eles ainda criaram mais 3 músicas na mesma época. Elas foram gravadas em um EP posteriormente. Podemos ouvir a música deste capítulo aqui:




        Para esse que vos escreve, V de Vingança também foi um marco de transição, uma maneira de provar que os Quadrinhos são um veículo comunicativo instigante e promissor, e não alienante e infantil. Uma prova disto é que grandes obras vem dialogando intensamente com o cinema nos últimos 20 anos. A obra de Moore me fez observar de maneira diferente a sociedade, meus conceitos políticos, meus valores cívicos e etc. Me recordo muito bem de um bom debate com uma amiga mestrado em Artes sobre a obra, sobre o potencial das HQs, sobre como nenhum tema está resignado e sim depende da criatividade dos autores para transcender o convencional.  Para qualquer apreciador de arte, V de Vingança é uma obra ímpar e recomendadíssima:

"Um humilde veterano do teatro de variedades, escalado como vítima e vilão pelas vicissitudes do destino.
Esta máscara não é um mero vestígio de vaidade. É um vestígio da vox populi, que não mais existe.
No entanto, esta valente visita de um irritante ser ultrapassado, visa varrer esses vermes venais e virulentos da vanguarda do vício que permitem a viciosa e voraz violação da vontade".

 Boa noite Londres, aqui é a Voz do Destino, espero que tenham gostado do texto.  Do contrário por favor omitam suas opiniões a não ser que queiram ir a julgamento !

Inglaterra Triunfa !!


Erick Cavalcante